Praça Mauá, Que Mal Há?

     Não começarei desta vez falando sobre uma praça na região central do Rio de Janeiro, localizada de frente para a Baía de Guanabara, que guarda uma bela História e que hoje se tornou um dos pontos turísticos mais frequentados da cidade. Hoje, não vamos falar sobre uma praça apenas bonita, de um cartão postal. Afinal, nada disso é tão importante. Recomeçarei este texto falando sobre uma visão, um sentimento:


     Sob um lindo céu azul, onde as nuvens no horizonte, no desenhado acinzentado de longes montanhas, no fim do oceno parecem flutuar, estamos na ponta da plataforma, de braços abertos, o vento muito leve, chega trazendo o calor do sol que irradia ardente sobre nossas cabeças pensativas que se distraem a cada segundo por um novo canto, uma nova voz que grita: - Picolé apenas dois reais.- E outro apito e um “bum, bum tirim bum bum”, é um som familiar, o som da batucada de um pandeiro de um artista que anuncia em um canto: “Já é Carnaval no Rio”. - Assim, descrevo apenas um poquinho a sensação de estar na antiga e histórica Pequena Prainha, ou ainda hoje, nossa querida Praça Mauá.

Disponível em : Galeria Praça Mauá.
Disponível em : Galeria Praça Mauá.

“ Praça Mauá,

Praça feia, mal falada,

Mulheres na madrugada,

Onde bobo não tem vez,

Praça Mauá,

Dos lotações de subúrbio,

Lugar comum do distúrbio,

Nos trinta dias do mês,

Se algum dia,

Eu mandar nessa cidade,

Serás praça da saudade,

Do adeus, da emoção,

Praça Mauá,

O nome nos trás a mente,

Um soluço, um beijo quente,

E um lenço branco na mão...”

      A canção de Billy Blanco, famosa pela interpretação da cantora paulista Isaura Garcia em 1969, retrata extamente a visão anexada à praça desde sua inauguração no início do século XX que se perpetuou até o dia 06 de setembro de 2015, dia da reinauguração da Praça Mauá pelo projeto Porto Maravilha em nome da Cidade Olímpica. Antes o lugar que hoje é um despertar de emoções e sonhos, ainda que tivesse um significativo sentimento por seu valor histórico ainda era vista com maus olhos por seu passado de prostituições e boemia.


      A princípio, quando existia apenas uma pequena praia e um largo, chamado Largo da Prainha, o local era aberto e o sol, assim como hoje, iluminava de forma única a área. Era possível ver em cores vivas as costruções aos seus arredores, assim como o Monsteiro de São Bento, fundado em 1590 por monges beneditinos baianos sobre o morro de São Bento. Mais tarde, no século XIX, o que futuramente seria a Praça Mauá passou a ser chamado de Praça da Prainha e em 1871, a Câmara Municipal renomeou o local para Largo 28 de Setembro, data da promulgação da Lei do Vente Livre, contudo o lugar continuou conhecido por seu nome popular: “Prainha”.


      Com o crescimento das atividades comerciais do século XX na cidade do Rio de Janeiro, foi pensado e criado um porto. Esse porto se localizaria exatamente na área da antiga Prainha que seria trasformada em uma verdadeira praça e após seis anos de obra “naseu” a Praça Mauá, seu novo nome se deu em homenagem ao Visconde de Mauá , um comerciante, banqueiro e pioneiro em várias áreas da economia do Brasil. Inclusive em 1910, o artista mexicano naturalizado brasileiro, Rodolpho Bernardelli, criou uma escultura de oito metros e meio de altura representando Irineu Evangelista de Sousa, ou mais conhecido como Visconde de Mauá, instalada bem no centro da praça.


Monumento representando Visconde de Mauá.
Monumento representando Visconde de Mauá.

      A má fama da praça começou nesta época. Comercio se expandindo, turismo, câmbio, navios, passageiros, boates... O local era movimentado, tanto de dia quanto de noite. Foi nessa agitação que o edifício Joseph Gire, em puro concreto armado, com 22 andares, foi construído e finalizado em 1930 em seu estilo Art Déco, para ser então a sede do jornal mais amado pelos cariocas: “A Noite”, fundado pelo jornalista Irineu Marinho em 1911. Contudo,em 1937 com a decadência do jornal, o edifício da Praça, maior de todos da América Latina, sediou a Rádio Nacional o que se tornou um marco para a História pois por lá passaram muitos artistas da Era do Rádio incluindo os sambistas cariocas que cantaram e alegram as manhãs e as tardes do Rio.

RB1 & A Noite / Janeiro de 2019.
RB1 & A Noite / Janeiro de 2019.

" Ah, me diz aí

Mas que mal há em ir

lá pra Praça Mauá relembrar?

Se eu tô sem brio 

e estrela guia

Se há no barco uma avaria

Vou pra lá

Meio adernado o meu navio

retorno o rumo,

encontro o fio

Num samba do melhor que há

Meu corpo tá lá ,

no cais eu resurjo

É como se o Méier

brotasse a beira-mar

Quem sacanear

Encaro e não fujo

Eu sou marujo da Praça Mauá

Em São Francisco da Prainha

eu gostei de uma cabocla

da Pedra do Sal

Que incentivada pela grande

Nora Nei tentou a vida de cantora

ali na Rádio Nacional (…) “

      Este é um samba contemporâneo, pouco conhecido, de Moacyr Luz, músico e compositor brasileiro de grandes canções que são referência na Música Popular Brasileira. Como podemos perceber, desta vez o cenário retratado na canção é um pouco diferente ao exposto pela música de Billy Blanco, em seu título percebemos uma certa contestação ao famoso estereótipo que a praça carregou por longos anos: “Praça Mauá: Que mal há?”. Se analisarmos bem as duas letras parece que foi uma espécie de réplica uma da outra, em “Praça Mauá” temos:

“Praça Mauá, Praça feia, mal falada (…) “ - Na letra de Moacyr, o próprio subtítulo é uma resposta: -“Que mal há? “.


     Pensando na mobilidade urbana, entre os anos de 1950 e 1970, a Praça Mauá, ainda simples mas bem frequentada, foi totalmente desvalorizada ao ser construído o controverso Elevado da Perimetral. Há quem não se importasse muito com a estética naquela época, afinal o Rio de Janeiro já deixava de ser um tanto orgânico há muito tempo, o que valia mais era reduzir ao máximo o tempo para deslocamento de um bairro ao outro e nada do que uma via suplementar não pudesse auxiliar. Mas houve aquelas pessoas que, com uma visão mais plástica não deixaram de criticar o viaduto afinal não apenas a Praça Mauá se tornou menos atraente como a cidade num todo, pois quem vinha de navio não tinha uma boa visão e nem da terra era possível ver o mar perfeitamente, além de tudo o local ficou sombrio e as pessoas temiam assaltos e violência.


      Na década de 1990 a Praça Mauá, ainda com uma má visualização e já não mais frequentada como antes, no início e meados do século XX, ainda sim ganhou algo que marcaria sua paisagem com um tom exuberante e pós-moderno. Estamos nos referindo a construção do famoso edifício Rio Branco 1, ou ainda popularmente como RB1. Com 98 metros, 33 andares de pura sofisticação foi projetado pelo arquiteto passo-fundense Edison Musa. Para o projeto foi necessário a demolição da Casa Mauá, propriedade do Monsteiro de São Bento, que ao final da obra de 1983 à 1989, recebeu como pagamento as lojas do térreo e seis pavimentos de escritório. RB1 foi pensado para ser impactante, ocupar o primeiro número de uma das avenidas mais importantes do Centro do Rio de Janeiro e com certeza se tornou mais que um simples prédio comercial, pois aos olhos de quem passa pela Avenida Rio Branco, ou atualmente o observa através do mirante do Museu de Arte do Rio, vê exatamente aos seus olhos uma obra de arte.


      Pode parecer estranho dizer com todas as palavras, mas a veradade é que a Praça Mauá do Rio de Janero, assim como o cais teve seu destino convertido de uma situação de abandono para ponto turístico e cartão postal no dia 02 de outubro de 2009, quando a cidade foi escolhida como sede para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 e também poque o Brasil seria sede da Copa do Mundo de 2014. E assim foi criada no ano de 2011 uma Operação Urbana Consorciada chamada “Porto Maravilha” que logo traria significativas melhorias para o local. E foi como primeiro marco importante a demolição de 300 metros do Elevado da Perimetral, enfim nossa praça deixaria de ser sombria e novos ares seriam clareados, logo as obras estenderam-se entre 2014 e 2015, sendo reaberta no dia 06 de setembro de 2015, uma nova data que deveria ser segundo nascimento.

Demolição do Elevado da Perimetral.
Demolição do Elevado da Perimetral.

Parada dos Museus

Praça Mauá / Janeiro de 2019.
Praça Mauá / Janeiro de 2019.

      Hoje quem visita a Praça Mauá, na maioria das  vezes tem o objetivo de conhecer os dois recentes museus. Dos que chamam mais atenção, sem dúvida é o Museu do Amanhã, que foi inaugurado dia 17 de dezembro de 2015 e projetado pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava, consta com uma arquitetura inovadora e um tanto futurista, aliás este é a principal visão do museu: nosso futuro, o que será dele? Já o Museu de Arte do Rio, ocupa dois prédios O Palacete de Dom João VI, em estilo eclético, que antes abrigava a inspetoria dos portos; e o antigo Terminal Rodoviário Mariano Procópio, inaugurado em 1950 como primeira estação rodoviária interestadual do Rio. Os prédios estão ligados por uma passarela suspensa, “cobertura fluída”, ocupando uma área total de total de 2.300 metros quadrados, a arquitetura contrastante foi um projeto da Jacobsen Arquitetura, por três principais arquitetos: Paulo Jacobsen, Bernardo Jacobsen e Thiago Bernardes.

Museu de Arte do Rio / Dezembro 2018.
Museu de Arte do Rio / Dezembro 2018.
Museu do Amanhã / Dezembro de 2018.
Museu do Amanhã / Dezembro de 2018.

      Outra grande melhoria, desta vez para a locomoção de quem pretende visitar a Praça Mauá é o recente transporte VLT, se trata de bondes ou trens de piso baixo, com 44 metros de comprimento, 2,65 metros de largura e 3,82 de altura. Sua alimentação provém de um terceiro trilho no solo que é apenas eletrificado quando os bondes passam por eles, sem riscos para o pedestre ou motorista que movimentem por ali. Seu primeiro teste de circularização foi em 15 de outubro de 2015, da Rodoviária Novo Rio até a Praça Mauá. De lá para cá, o meio de trasnporte ajudou bastante tanto quem visita à passeio o Centro da Cidade do Rio de Janeiro quanto quem utiliza como veículo de deslocamento para o trabalho.

Trilhos do VLT próximo à estação "Parada dos Museus".
Trilhos do VLT próximo à estação "Parada dos Museus".

     E assim, hoje nossa Praça Mauá , com seus prédios, museus, porto, navios, pássaros, palmeiras, baianas vendedoras de acarejé, vendedores de sorvete e artistas de rua surpreede a todos que passam ao menos um dia sua tarde por lá. Ainda há alguns sinais de abandono, é certo, como por exemplo o memorável prédio A Noite, que está vazio e sem manutenções, mas esperamos que logo seja repaginado e abrigue algo importante para a cidade, afinal nosso primeiro arranha-céu não merece ser descuidado. Ao som dos sinos do VLT, suaves, deixamos a cada visita, uma saudade gostosa que logo, logo há de ser “matada” ou através das fotos ou de um novo passeio.