Se esta Escada, Se esta Escada, Fosse Minha...

Escadaria de Selarón - Outubro de 2018.
Escadaria de Selarón - Outubro de 2018.

     Há uma canção de roda que fala sobre uma rua, nesta rua mora meu grande amor. Se eu pudesse mandaria ladrilhar, toda rua, só para o meu amor passar. Só que a rua, na verdade é uma escada, nesta escada , nesta escada mora um anjo, que se chama, que se chama Selarón.  Soa como melodia, uma poesia, a arte que inspira todos os dias, que apaixona a qualquer um. O que traduzem as cores? Selarón é mais que uma escada colorida, é a exuberância da alegria de uma cidade berço do amor e inspiração, pois o Rio de Janeiro continua belo de todas as formas e foi essa beleza que inspirou a criação de nossa escadaria.

     Tudo começou  no início da década de 90 quando um viajante chileno decidiu estabelecer-se  no Rio de Janeiro , começou a vender seus quadros em restaurantes, como sempre fez em todas as cidades que parava e fixou residência em uma escadaria que ficava localizada entre os bairros da Lapa e Santa Tereza. Jorge Selarón era o seu nome, um homem de 43 anos que vivia em busca de inspiração e mulheres negras grávidas, este era um gosto particular de suas obras e foi exatamente este um dos motivos iniciais que o trouxe para o Rio, por aqui ter belas mulheres negras grávidas.  


Pintura de Jorge Selarón no azulejo.
Pintura de Jorge Selarón no azulejo.
Artista exibindo suas pinturas.
Artista exibindo suas pinturas.

     A escada a porta de sua casa era como qualquer outra:  De cimento, cor cinza e de 215 degraus um tanto sem vida pela visão de um artista que tinha a sensibilidade de perceber a cor e a graça de uma cidade marcada pelas cores a começar pela bandeira de seu país. Começou  construir algumas banheiras ajardinadas e mais tarde, inspirado por algumas pinturas dos jogos da Copa do Mundo que a vizinhança havia feito, Jorge Selarón começou a colar azulejos em tons de verde e amarelo nos degraus, o que foi alvo de críticas a princípio pelos próprios vizinhos. Mas Selarón não desistiu, continuou seu projeto que logo se tornou uma pequena obsessão edificante que resultou na bela obra de arte urbana que conhecemos.

Selarón posa em sua escadaria ainda em tons cinzas.
Selarón posa em sua escadaria ainda em tons cinzas.

     Jorge Selarón era autodidata, tinha paixão por pintura e não era rico. No início o artista buscou restos de azulejos em canteiros de obras de diferentes partes da cidade do Rio de Janeiro, depois, seus amigos e admiradores de sua obra começaram a presentea-lo com peças de várias cores, formatos e de várias partes do mundo. Nos exatos últimos 23 anos de sua vida, que aqui viveu, em nossa Cidade Maravilhosa, Selarón trabalhou arduamente em busca de um sonho louco: trazer mais cores e alegria para o Rio. Em constante metamorfose a obra foi concluída no dia 10 de Janeiro de 2013, dia da trágica morte de artista. 

       Nada se provou até hoje o que aconteceu de fato com Jorge Selarón, qual foi o motivo de sua morte. O que se sabe é que seu corpo foi encontrado carbonizado pela manhã ao lado de um frasco de um tipo de solvente para tintas inflamável e pouco antes foi ouvido, por alguns moradores, gritos de socorro e cachorros latindo. Há especulações que talvez o artista possa ter sido assassinado por um de seus ex alunos que havia ameaçado à Jorge Selarón por querer obrigá-lo a ceder rendimentos com a venda de seus quadros. Selarón já havia prestado queixa na polícia um ano antes e vinha ficando muito triste por conta disso e passava os dias trancado em casa. 

     Antes de sua morte, quem visitava a Escadaria de Selarón poderia encontra-lo em seus trajes mais habituais: camisa vermelha, calça jeans ou às vezes sem camisa de bermuda vermelha e sempre com seu chapéu de tecido vermelho. O local se tornou um ponto turístico da cidade, o que antes era uma simples rua com uma escadaria que levava à um convento hoje é um lugar dígno de cartão postal. Selarón, enquanto morava de frente para a escada sempre esteve trabalhando para aprimorar sua obra e dizia: 


“  Todo el mundo quiere ser famoso (...) Para la juventud, para la gente que me está escutando, joven, nova, que tem 15, 20 años, ellos deben meterse en la cabeza la palabra trabalho. (...) Puede ser un filho da puta, más tem que trabalhar! “


Trages típicos de Selarón
Trages típicos de Selarón

     Um artista da década de 90 e 2000, irreverente, inigualável e estrondoso. Tudo isso define Jorge Selarón. Um artista que nunca deixou se manipular pelas mídias e era convicto de suas opiniões. Parecia espantoso para algumas pessoas, com seus bigodes quase como Salvador Dalí, Selarón só dizia o que pensava, não media como as pessoas poderiam julga-lo pois um artista não deve pensar como vai ser tomado: Um artista deve fazer e pronto. E foi com esta convicção que Selarón a pesar de ser um pintor e amar arte, negava, por exemplo, que Picasso era o melhor mas respeitava o fato de ele ser um pintor, pois um ser humano que se dedica a vida toda em uma missão merece um respeito, pensava Selarón. 

     Em 2005, Jorge Selarón ganhou o título de cidadão honorário e sua obra urbana foi tombada pela prefeitura da cidade. E em 2010, terminou a grande bandeira do Brasil, na parte alta da escadaria de esquina com  a rua Pinto Martins. Os muros das residências também ganharam cores aos poucos, vendendo mais de 25000 quadros, Selarón, com sua africanas grávidas, juntava dinheiro para investir em sua maior obra. A cada autorização de um vizinho : “ Pode colorir meu muro!” – era uma festa e até hoje continua sendo pela marca que Jorge Selarón deixou nos muros, nas escadas e no coração dos cariocas e do mundo. 



Mosaico de Jorge Selarón.
Mosaico de Jorge Selarón.
Bandeira do Brasil em Mosaico por Jorge Selarón.
Bandeira do Brasil em Mosaico por Jorge Selarón.