Vaz Lobo: De Encontro da Elite à Bairro de Passagem

“ Vou contar

Sua história com orgulho, amor!

Só de pensar da emoção.

"É bairro, é raça, é samba, é união.

oh meu querido Vaz Lobo." da época da colonização

A freguesia doada em sesmarias.

Por conta do Marquês foi a leilão

Fazendas, chácaras, sítios, riquezas

Assim havia terras pra plantar!

Onde viveu José Maria, pioneiro da alegria, bravo, imortal (...)” 


Música: Meu Querido Vaz Lobo.. É Bairro, É Raça, É Samba, É União – GRES União de Vaz Lobo.


          O trecho deste samba-enredo composto por Luís Fernando Reis, carnavalesco que ingressou para a União de Vaz Lobo no ano de 2001, traduz memoravelmente a História do     bairro das antigas chácaras e bondes puxados a burro, onde havia alegria, havia paz, harmonia e festa. Começamos a contar sua trajetória desde o século XIX , quando Vaz Lobo, ainda sem fundação e divisas, se chamava sesmaria de Campinho, uma extensa área rural que pertencia ao Capitão Francisco Inácio do Canto, mais tarde, com a morte do Capitão, seria disputada entre sua viúva Rosa Maria dos Santos e o arrendatário, boiadeiro Lourenço Madureira que saiu vencedor das terras. Mas o que conhecemos hoje como Vaz Lobo começou a ganhar forma somente na metade do século XIX  quando foi dividido todo aquele extenso território em pequenas chácaras que foram vendidas para pequenos proprietários, um deles era o militar reformado José Maria Vaz Lobo, a quem o bairro futuro herdou o nome. 

           No início do século XX, ainda com características rurais, o território do bairro ainda possuía o solo pantanoso e densas matas de árvores predominantemente frutíferas, as mais tradicionais eram as mangueiras. Atualmente, percebemos, se formos muito minuciosos, que ainda, nos quintais das casas do bairro é muito comum encontrarmos essas árvores tradicionais e nos ápices dos morros. Em 1910 os antigos bondes, puxados por animais, começaram a circular pelo bairro e as primeiras casas de alvenaria começaram a ser erguidas em 1920 quando as ruas começaram a ser abertas, contudo somente na década de 1970  que elas seriam asfaltadas. Vaz Lobo, em 1910, tinha sua economia basicamente voltada ao comércio agrícola, com inúmeros lavradores e comerciantes que vendiam o que plantavam pelas redondezas dos bairros vizinhos: Irajá e Madureira. 

          Barão de Santa Cruz era o dono da empresa dos bondes puxados a burro, tendo sua sede administrativa localizada no Largo de Vaz Lobo. O Largo também era parada para os animais descansarem e beberem um pouco de água. Com o avanço do comércio, o capitalista e comerciante do bairro de Madureira, Sr. Eduardo de Almeida,  batalhou judicialmente pela substituição dos burrinhos pelos trilhos elétricos. Foi uma longa batalha já que Barão de Santa Cruz jamais aceitaria a falência de seu negócio. A comissão de Eduardo continuou firme e forte, chegando a apelar para o senador Otácito Câmara que deu voz de assentimento o que fez a Cia Light a estender a linha e introduzir a tecnologia elétrica em uma obra super otimizada de 1912 à 1916. No entanto, assim que foi inaugurado os bondes elétricos, os puxados por animais não deixaram de existir mas enfraqueceu demasiadamente, sendo abolida de uma vez por todas em 1927. 


Bonde da linha Vaz Lobo - Ramos, provavelmente em meados dos anos 50. Destaque para o Cine Vaz Lobo ao fundo. Acervo: Internet. 
Bonde da linha Vaz Lobo - Ramos, provavelmente em meados dos anos 50. Destaque para o Cine Vaz Lobo ao fundo. Acervo: Internet. 

Bondes da Folia

      Uma das grandes curiosidades sobre os bondes da zona norte do Rio de Janeiro é que além de transporte de carga, de funerais e de pessoas os bondes marcavam a vez nas festas de Momo, ou Carnaval. Ainda que a região de Vaz Lobo fosse um tanto de sertão , o espírito carioca folião estava crescendo por todas as partes.  Era muito comum bloquinhos se reunirem dentro dos bondes fazendo muito barulho e algazarra ao som do batuque do samba que embalou os corações de muitos moradores e visitantes da região. O Largo de Vaz Lobo também se tornou um ponto central para as comemorações de Carnaval.                      Atualmente o Largo de Vaz Lobo foi extinto pelas obras da Transcarioca, a implantação do BRT. Por um lado foi uma grande perda para a História do bairro e por outro lado foi uma perda significantemente menor, já que o projeto principal seria a demolição do prédio do histórico do Cine Vaz Lobo, que iremos recordar a seguir. 

     Outra curiosidade interessante é que através das obras da Transcarioca, em 2013, os trilhos dos antigos bondes ressurgiram , em republicação do Jornal O Globo, um antigo morador do bairro sentiu-se profundamente nostálgico ao entrar em contato novamente com aqueles trilhos tão representativos e lembrou: 

“Era um tempo em que Vaz Lobo era um lugar com perspectivas. Eu cheguei aqui adolescente. Vim de bonde, casei, tive filhos, netos, fiquei viúvo e casei novamente. São coisas assim que esses trilhos representam.” 


         José da Rocha, morador de Vaz Lobo em entrevista para o Jornal O Globo – 22/05/2013



Reprodução: Foto Jornal O Globo 2013
Reprodução: Foto Jornal O Globo 2013

Cine Vaz Lobo: um cinema, um encontro, um abandono

Anúncio Cine Vaz Lobo - 1941
Anúncio Cine Vaz Lobo - 1941

     Dia cinco de Janeiro de 1941, o Rio de Janeiro ganhava um grande presente: a inauguração de um majestoso cinema de rua na paz e na tranquilidade de sua zona norte. E foi um grande acontecimento, pois em sua inauguração estava presente até mesmo a atual primeira-dama da República Dona Darci Vargas. Tudo começou quando o imigrante português Antônio Mendes Monteiro adquiriu uma área triangular de esquina com as atuais Avenida Vicente de Carvalho e Rua Oliveira Figueiredo e nela resolveu construir uma sala de cinema com capacidade de até 1800 lugares. Até o final da década de 60, o Cine Vaz Lobo tornou-se ponto de encontro da elite carioca, muito frequentado e bem falado. 

     De frente para o Largo de Vaz Lobo, em estilo Art Decó Tardio - isto é valorizava sobretudo as formas geométricas, elegância e sofisticação, inspirado nos princípios do cubismo e do exotismo - o prédio do Cine Vaz Lobo trouxe beleza, arte e cultura para o bairro. Ainda hoje desperta muito a atenção de jovens quando passam, de ônibus ou a pé, por sua fachada, hoje pintada de azul com bandeiras do partido “Democratas”, um tanto indignanante de se ver  pelo prestígio que o prédio se tornou nos anos 40 , 50 e 60 para a cidade do Rio de Janeiro, um total descaso. 

     Com a decadência dos cinemas de rua, em 1986, o Cine Vaz Lobo fechou suas portas. Para os moradores do bairro foi uma grande perda, mas não tinha como continuar. Se hoje temos o prédio do cinema de pé, agradecemos sobretudo ao patriarca da família Mendes Monteiro que não aceitou a oferta de vendê-lo para um templo religioso. Ainda devemos os agradecimentos aos moradores e pesquisadores do local que se mobilizaram para impedir que o projeto da Transcarioca colocasse abaixo o pouco que sobrou da História do bairro de Vaz Lobo.  

     Há projetos, do recente Instituto Histórico e Geográfico da Baixada  de Irajá (IHGB) de conservar e transformar o prédio em um Centro Cultural de Artes e Ciências Audiovisuais, contudo em nada teve apoio da prefeitura para isso até o momento e o fato do prédio estar em inventário desde a morte de Antônio Mendes Monteiro, em 2009, só dificulta tudo. De todas as formas esperamos, que o projeto seja apoiado e que possa ser aplicado, pois seria algo maravilhoso e recuperaria parte  do antigo prestígio do bairro. 


Vaz Lobo Segue No Samba

     Ainda que hoje, Vaz Lobo seja um bairro predominantemente de passagem pelo seu alto índice de violência,  comércio parco e falta de pontos de lazer. Ainda guardamos em seu berço grandes Histórias para contar, de pessoas reais que trabalham e residem em seu pequeno território . Um dos orgulhos de seu povo é o samba, que sempre esteve presente. Hoje o bairro conta com duas escolas de samba para representá-lo, uma das mais antigas do Rio de Janeiro: A União de Vaz Lobo, fundada em 14 de outubro de 1930 e a caçula Renascer de Vaz Lobo, fundada em 2017. 

Bandeira União de Vaz Lobo - Uma das mais antigas Escolas de Samba do Rio de Janeiro
Bandeira União de Vaz Lobo - Uma das mais antigas Escolas de Samba do Rio de Janeiro